Por quanto tempo a viúva que tem direito de habitação pode morar na casa deixada pelo falecido?
- Jorge Ribeiro Silva
- 18 de mar.
- 4 min de leitura

O direito real de habitação é uma garantia legal conferida ao cônjuge sobrevivente - e também ao(à) companheiro(a) sobrevivente, nos casos de União Estável - permitindo que este continue a residir no imóvel que servia de moradia do casal, independentemente de ser proprietário ou herdeiro do bem. Essa proteção visa assegurar a dignidade e a estabilidade do cônjuge/companheiro(a) supérstite, evitando que este seja privado de seu lar após o falecimento do parceiro. No Brasil, o direito de habitação passou por significativas modificações com a transição do Código Civil de 1916 para o Código Civil promulgado em 2002 e é sobre esse importante instituto do Direito Sucessório que falaremos nesse breve ensaio.
Sob a égide da redação original do Código Civil de 1916, o direito de habitação não era expressamente previsto, mas era reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência como uma forma de proteção ao cônjuge sobrevivente. Esse direito era limitado às situações em que o cônjuge supérstite não possuía outro imóvel para residir, e a sua aplicação dependia da interpretação dos tribunais, o que gerava certa insegurança jurídica.
Com a promulgação do Código Civil de 2002, o direito real de habitação foi expressamente inserido no artigo 1.831, garantindo ao cônjuge sobrevivente o direito de permanecer residindo no imóvel que servia de moradia ao casal, independentemente de outras condições. Essa mudança trouxe maior clareza e segurança jurídica, assegurando que o cônjuge supérstite possa usufruir do imóvel enquanto viver. Reza o referido artigo:
"Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar".
É importante destacar que o direito de habitação passou a ser VITALÍCIO, ou seja, perdura enquanto o cônjuge sobrevivente estiver vivo e não se extingue nem mesmo se o sobrevivente contrair novo casamento ou estabelecer união estável. Nesse sentido a jurisprudência do TJRO, com relação ao direito de habitação da viúva:
"TJRO. 70545592920198220001. J. em: 22/10/2021. APELAÇÃO CÍVEL. (...) Direito real de habitação. Cônjuge sobrevivente. (...) Advento de novo matrimônio. Extinção do direito. Inexistente. Recurso desprovido. (...). O direito real de habitação é erga omnes, ex lege, VITALÍCIO e personalíssimo, tendo caráter gratuito, de modo que incabível a cobrança de alugueres. Tendo a autora herança de falecido sob a égide do Código Civil hodierno, o fato de o cônjuge sobrevivente contrair novo casamento ou conviver em união estável, por si só, NÃO EXCLUI o seu direito real de habitação, uma vez que o citado diploma legal NÃO IMPÕE, para o gozo deste direito, a permanência do estado de viuvez".
Ainda que algumas vozes se levantem para afirmar que no caso da União Estável o Direito de Habitação do(a) companheiro(a) supérstite deve durar apenas enquanto este não constituir nova União estável ou se casar, entendemos - nos filiando à corrente que prestigia as decisões do STF que equipararam para fins de direito sucessório a União Estável e o Casamento - que também no que diz respeito ao Direito de Habitação deve haver tratamento igualitário entre as duas formas de família, aplicando-se o art. 1.831 e não o par. único do art. 7º da Lei 9.278/96 também para os casos de União Estável.
Ainda assim é preciso alertar que há entendimento recente do STJ sinalizando que ao direito de habitação oriundo da UNIÃO ESTÁVEL deve ser aplicada a Lei 9.278/96 - e não o art. 1.831 do CC; portanto, nessa linha, sua permanência estará atrelada ao fato do(a) companheiro(a) não constituir nova união estável ou casamento - permanecendo sem essa condição quando a hipótese for de direito de habitação oriunda do CASAMENTO:
"STJ. REsp 2035547/SP. J. em: 12/09/2023. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. NOVO CASAMENTO. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA REGRA DO ART. 1 .831 DO CC DE 2002. CARÁTER VITALÍCIO E PERSONALÍSSIMO DO DIREITO REAL. PRESCINDIBILIDADE DA MANUTENÇÃO DO ESTADO VIDUAL DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 9.278/1996 AO CASO CONCRETO. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE EQUIPARAÇÃO DO CASAMENTO À UNIÃO ESTÁVEL. DIFERENÇA LEGAL EXISTENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1 . Tendo sido o direito real de habitação constituído na vigência do Código Civil de 2002, a situação concreta deve ser regulada pelo seu art. 1.831, afastada a incidência da regra prevista no art. 1 .611, parágrafo único, do CC de 1916.2. O direito real de habitação tem natureza de direito real, vitalício e personalíssimo, devendo respeitar o princípio da tipicidade, só podendo ser extinto, em termos naturais, com a morte da pessoa viúva e, em termos legais, pelas hipóteses de extinção do usufruto naquilo que não for contrário à sua natureza (art. 1 .416 do CC de 2002).3. O art. 1 .831 do CC de 2002 confere ao cônjuge supérstite a utilização do bem para que nele mantenha sua residência, independentemente do regime de bens do casamento e da titularidade do imóvel, afastado, inclusive, o caráter vidual estabelecido na legislação precedente. 4. O ESTADO VIDUAL, embora seja pressuposto para a aquisição do direito real de habitação previsto no art. 1 .831 do CC de 2002, DEIXOU DE SER REQUISITO para a manutenção e exercício desse direito, que passou a ter como exigência apenas o requisito objetivo atrelado à figura do imóvel, que, nos termos da lei, precisa ser o único daquela natureza - residência familiar - a inventariar. 5. Em decorrência do PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE, não incide o disposto no art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/1996, RESTRITA ÀS HIPÓTESES DE UNIÃO ESTÁVEL, nos casos em que o cônjuge supérstite tenha sido casado com o de cujus. 6. Ressalvadas as hipóteses de equiparação quanto ao regime sucessório decididas em repercussão geral pelo STF, permanecem as diferenças legais entre os institutos do casamento e da união estável. 7. O direito real de habitação previsto no art. 1.831 do CC de 2002 é destinado às pessoas FORMALMENTE CASADAS, não podendo seu exercício ser limitado por proibições previstas na legislação especial e restritas aos companheiros que CONVIVAM EM UNIÃO ESTÁVEL. 8. Recurso especial provido".
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